A função de dona de casa é ingrata. O trabalho só aparece quando não é feito. A maioria das mulheres desempenha afazeres que incluem limpeza e arrumação de casa, lavagem de roupas, engomar, passar, cozinhar, comprar ou cultivar víveres, acompanhar o desenvolvimento de crianças nos campos educacional, esportivo, cultural, além de treinamento social, pagamentos de contas, adquirir vestimentas ou confeccioná-las, zelar pela saúde dos animais domésticos, caso tenha, fazer cumprir os compromissos da família inteira, receber visitantes, preparar recepções etc. Uma faina incessante. Em muitos casos, todas essas tarefas se somam a uma atividade profissional.
Também há as que fazem do casamento um meio de vida.
E as que pagam por esses serviços, nem sempre se preocupando com o sustento da família, dever de um provedor.
A matéria da Veja não exaltou o antifeminismo, não. O elogio à moça casada com um homem q tem idade para ser seu avô, que vive em cidade distante de onde mora o marido e cujas atividades mais relevantes são ir a salão de beleza e à esteticista não foi apenas um desserviço ao feminismo. O artigo escarnece dela, bacharel em direito, que participou de concursos de beleza e teve curta atuação como recepcionista antes de decidir partilhar a existência com um senhor 43 mais velho do que a jovem. Dizer que "ele tem sorte" é fazer da mulher apenas e somente um troféu. Uma vergonha.
Depois de uma incerta idade, a única certeza feminina é a invisibilidade. Aqui, mulheres falam sobre isso.
quarta-feira, 20 de abril de 2016
sexta-feira, 1 de abril de 2016
Pedaladas
Março acaba com tantas manifestações contra e pró respeito à Constituição, que desembarcamos em abril ainda em batalha política, cujo desfecho está marcado para maio. Muito se fala contra Dilma Roussef - e não quero questionar a mediocridade de sua atual administração. Mas nunca houve um presidente da República de quem jornalistas e blogueiros tratassem com tanto desprezo.
Uma mulher nada carismática, Dilma Roussef, tampouco jovem ou bela. Conquistou o poder no voto, duas vezes seguidas. Por mais que se diga que veio nas águas do Lula, alçou ao posto democraticamente. Por que, então, ela suscita tamanho ódio de alguns descerebrados, homens e mulheres que lamentam sua resistência aos maus tratos sofridos quando jovem, presa por atividades contra um governo ditatorial?
Há quem diga que Dilma só é alvo de tanto achincalhe por ser mulher. Não tenho tanta certeza, porém, nunca antes na história deste País li os jocosos conselhos de um blogueiro a um governante, como aquele que a aconselhou a arranjar um companheiro. Alguém falou isso para Itamar Franco, que não era casado, ao assumir o governo? Se ela tivesse um ou dois namorados, seria chamada de devassa ou vagabunda.
Essa ar superior, jocoso, masculino me afronta. E Dilma, sem um pingo de simpatia, é uma mulher de fibra porque nunca responde a tais acintes. Ela os ignora. Não chora. Segura a onda. Não fala "Sou mulher, sou avó, sou mãe". Não é doce nem meiga.
O simples ato de andar de bicicleta pelas ruas de Brasília é apontado como peça de marketing. Li alguém condenando seus exercícios públicos, afirmando que ela deveria fazer natação na piscina do Palácio, como Fernando Henrique Cardoso. Também vejo o ciclismo de Dilma como peça de marketing. Ela alardeia - pela melhora da forma física - o quanto o exercício faz bem a uma pessoa idosa. E ainda ocupa a rua, se apossa do espaço público como qualquer cidadão, numa cidade criada para fomentar a indústria automobilística. (Nelson Mandela caminhava pelas ruas, bem cedinho, também. Acompanhado por um séquito de seguranças, igual à Dilma).
Por que a boa forma de Dilma não é elogiada? Porque ela tem obrigação de manter uma silhueta esbelta, ora. É mulher. Sarney nunca foi uma sílfide, nem FHC, Lula muito menos. Mas estavam acima de qualquer observação no quesito beleza e elegância. Enquanto correr o processo de impeachment, muito será dito contra a falta de charme, de habilidade no trato pessoal e da sexualidade da presidente. Contra a honestidade, no entanto, só haverá silêncio.
terça-feira, 1 de março de 2016
Entra pra casa, feminismo!
Anda difícil viver o feminismo nas arenas contemporâneas. Em épocas de
mais conformismo, as mulheres aprendiam a lidar com o desrespeito, a se calarem
quando vítimas da grosseria e dos abusos sexuais, a assumir integralmente
tarefas domésticas, educação de filhos, além de “trabalhar fora”. A nova
geração feminista toma atitudes mais agressivas do que a queima de sutiãs. Ela se
desnuda em passeata para afirmar a soberania sobre o próprio corpo, deixa pelos
crescerem livremente nas axilas, nas pernas, na virilha, rejeitando um modelo
estético ditado pelo machismo. E bota a boca no trombone contra as obscenidades
proferidas pelos homens, nas ruas, sem ver qualquer beleza em saudações que
ressaltam a forma física da mulher que passa. E a maioria ainda encara a dupla
jornada como seu dever social.
A lida feminista começou há mais
de século e alcança seus objetivos vagarosamente. A liberação de drogas hoje
proscritas deve acontecer antes da igualdade salarial entre os gêneros, pois não
trata apenas de tipificar crimes ou regulamentar situações sociais. O feminismo
mexe diretamente com a estrutura da sociedade, com os códigos montados há
milênios. Nas grandes cidades brasileiras e nas redes sociais, o ágora
contemporâneo, os grupos não divergem abertamente, mas se isolam em seus conceitos,
minando, em pequenas intervenções, as ideias dos adversários. O ímpeto
guerrilheiro das jovens feministas entusiasma as mais maduras, que engrossam as
fileiras para falar do olhar sobre o corpo. Porque é o corpo da mulher que está
sendo julgado ainda hoje.
É sobre a apropriação desse corpo
que se fala o tempo todo. Se ele terá ou não o direito a abortar, se ele deve
ser cuidado para desafiar a natureza, envelhecendo dentro da estética
socialmente aceitável, sem contrair doenças que o deformem ou o matem (como se
a última possibilidade fosse uma alternativa). E também se o corpo feminino
deve ser escondido para evitar atrair olhares dos homens que não resistirão a
violentá-lo. E aí surge um dos pontos da agenda atual: convencer as
instituições de educação básica a deixarem de lado a repressão ao vestuário “inadequado”
feminino. Porque ao restringir o uso de shorts ou roupas apertadas das jovens
alunas, desde o Jardim da Infância, sem que tal preocupação jamais se dirija
aos meninos, a escola está fortalecendo o machismo. As filhas de Eva nasceram
fora do Éden para desencaminhar os inocentes filhos de Adão de seus bons
propósitos.
Como desmantelar uma herança
cultural tão forte? No Rio de Janeiro, uma cidade onde o calor determina o
despojamento dos trajes, usar roupas exíguas virou regra. Já se foi o tempo em
que decotes e saias curtas eram malvistos. As altíssimas temperaturas
justificam a pouca roupa. Nos colégios cariocas, no entanto, o comprimento de
saias e shorts assusta os educadores. Hoje, há dois pontos interessantes na
moda colegial: o tecido em tactel e bermudas que chegam quase a cobrir os
joelhos são exclusividade dos modelos masculinos. Já as meninas vestem jeans ou malha. E o ponto de discórdia é
sintomático: garotas não usam mais bermudas, só shorts no meio das coxas,
enquanto os garotos cobrem ao máximo a mesma área.
Se essa lógica é discutida no
ambiente escolar, ela se inverte no mundo exterior. Houve uma grita das
feministas quanto aos shorts ou microssaias impostos às frentistas nos postos
de gasolina, enquanto os homens, trabalhando na mesma função, vestiam calças
compridas. Por que, então, não inverter a discussão e propor a exposição maior
das coxas dos meninos? Por que o padrão masculino é tirar a camisa, mas cobrir
as pernas? Afinal, o feminismo liberou os homens da obrigação de sustentar
mulheres e permitiu que eles se incumbissem dos cuidados dos filhos. Caiu por
terra a incapacidade masculina para tarefas cansativas. Eles demonstraram total
capacidade de ligar máquinas de lavar roupas. Da mesma maneira, também podem
entrar numa loja e comprar, sem a supervisão da mãe/namorada/irmã/filha/mulher,
meias, cuecas, roupas em geral.
Há alguns anos, ouvi uma
faxineira reclamar que, depois de um dia pesado de trabalho, chegava em casa
para limpar, arrumar, fazer jantar e deixar o almoço do dia seguinte pronto.
Era recém-casada e junto com o marido veio um enteado, adulto. Os dois
marmanjos, desempregados, passavam o dia vendo televisão, mas não “tinham jeito”
para as tarefas domésticas.
No 8 de março, a celebração do Dia da Mulher
pode ser uma reflexão sobre as atribuições e os deveres de cada um na rotina
diária. Quem vai à reunião com o professor do filho, quem decide a compra do
carro da família, e, principalmente, quem fica encarregado de passar as roupas
da casa quando a diarista falta. Está na hora do feminismo entrar em casa
sábado, 20 de fevereiro de 2016
A arte de amadurecer
Como ser solteira é o primeiro romance da roteirista norte-americana Liz Tucillo. Nele, ela junta a pesquisa jornalística - pra lá de falha - sobre a solteirice feminina mundo afora e cria um relato ficcional sobre mulheres de 38 anos sem um companheiro. Claro que todas são sofisticadas, bem-sucedidas profissionalmente e vivem confortavelmente em Nova York, uma cidade, onde, aparentemente, sobram aventuras amorosas para quem estiver na faixa dos ... 38 anos. Mas elas sabem que envelhecerão e imaginam se devem seguir os relógios biológicos e engravidar aos 43 minutos do segundo tempo. Logo, uma das sábias argumenta:
"Imagine passar pela menopausa vendo sua filha desabrochando e se tornando sexualmente desejável justo quando você está enrugando e secando e se tornando sexualmente inútil"
O romance é fraco, embora a narrativa demonstre que Liz Tucillo aprendeu todas as técnicas de composição de folhetim, prendendo o leitor pela curiosidade em relação às encalhadas contemporâneas. O que Ms Tucillo talvez não saiba é que mulheres sexualmente bem resolvidas não invejam a maturidade sexual de ninguém, ao contrário. Sentem-se felizes ao perceber que a filha esta pronta para desbravar o mundo.
Minha resenha sobre o livro saiu hoje na coluna Para Ler na Rede. Vale pensar sobre esta leitura.
"Imagine passar pela menopausa vendo sua filha desabrochando e se tornando sexualmente desejável justo quando você está enrugando e secando e se tornando sexualmente inútil"
O romance é fraco, embora a narrativa demonstre que Liz Tucillo aprendeu todas as técnicas de composição de folhetim, prendendo o leitor pela curiosidade em relação às encalhadas contemporâneas. O que Ms Tucillo talvez não saiba é que mulheres sexualmente bem resolvidas não invejam a maturidade sexual de ninguém, ao contrário. Sentem-se felizes ao perceber que a filha esta pronta para desbravar o mundo.
Minha resenha sobre o livro saiu hoje na coluna Para Ler na Rede. Vale pensar sobre esta leitura.
terça-feira, 9 de fevereiro de 2016
Sem perder a ternura jamais.
Eric Hobsbawn falava que a grande revolução do século XX foi
a protagonizada pelas mulheres. Em boa parte do Ocidente, claro. Há países onde
persistem tradições que relegam as mulheres ao papel de cidadãs de segunda
classe. Em outros, como no nosso, existe
uma clara divisão das mulheres entre jovens e maduras. As primeiras são
visíveis e audíveis. As segundas, desprezíveis.
Talvez o Terceiro Milênio seja a época de redefinir as
limitações impostas às mulheres pelas próprias mulheres. O renascimento da luta
feminista ocidental, agora com discussões sobre o abuso masculino – e não
propriamente a dominação – trouxe um aspecto aguerrido ao feminismo, tão ou
mais agressivo do que o das sufragettes pioneiras ou o do Women’s Lib. E bem
mais assertivo do que o alinhavado por Simone de Beauvoir.
Um artigo interessante publicado no site A casa da mãe Joanna fala sobre a rejeição de algumas feministas a depilação e vaidade – e que
isso não tem absolutamente nada a ver com a luta por respeito e dignidade. A
discussão atual é excludente e restrita a algumas faixas etárias – da
adolescência aos 42 anos, talvez. Não se veem feministas de meia-idade se
manifestando mais. Lutas antigas, como a amamentação, são deixadas de lado –
exceto quando alguma mãe é repreendida por amamentar em público -, até porque a
maternidade hoje é tardia. O feminismo guerreiro de hoje excluiu as velhas.
Velhas formas de controle social nem sempre se extinguem.
Uma “pesquisa” entre foliões indicou que homens consideram “vadias” a maioria
das mulheres que pulam carnaval em blocos cariocas. Absurdos como esses se fortalecem sempre que
delimitamos às mulheres jovens a participação em movimentos ou na diversão
coletiva. O papel da mulher madura é apenas o de observação, exceto quando ela
vai para a política, concorrendo a cargos eletivos? Eu me recordo das alegres
passeatas do Dia da Mulher, com distribuição de flores, crianças no colo das
mães ou das avós, celebrações que ficaram distantes nesses tempos severos,
sombrios. Nessa vida tão solene, de dentes cerrados e nervos crispados, sobrou
pouco espaço para festejar, brincar, comemorar o fato de estarmos de passagem
neste planeta. Sem perder a ternura jamais.
segunda-feira, 25 de janeiro de 2016
Mais do que um documentário sobre velhinhas maluquetes, Advanced Style fala sobre mulheres que decidiram chegar à velhice sem se render à moda convencional. Extravagantes e glamourosas, elas já estavam na Web no blog de Ari Seth Cohen, que reúne fotos, filmes e entrevistas com essas senhoras de cabelos coloridos, que parecem mais roqueiras do que respeitáveis avós.
O blog também mostra homens chiquérrimos, mas, convenhamos que para eles é bem mais fácil vestir-se sem transgredir as tradições. Valem algumas olhadas.
Sobre maternidade, maturidade e feminismo na rede
Giovanna Dealtry falou no Facebook sobre a maturidade feminina, maternidade e feminismo nas redes sociais. Com licença dela, segue aqui a pensata.
O feminismo praticado no Facebook ignora mães e mulheres mais velhas. Talvez aceitem - teoricamente, não na prática - as mulheres que assumiram os filhos sozinhas. Espero que isso seja realmente uma "fase" adolescente desse feminismo. Eu nunca vi uma publicação - a não ser as minhas - que fale sobre a mulher pós-menopausa, que fale sobre a solidão da mulher mais velha. 90% do que passa no meu feed se refere a assuntos diretamente ligados às mulheres mais novas, solteiras (hetero ou lésbicas). As mulheres que mais precisam do feminismo são as mães, em especial as que tiveram filhos mais novas e que tiveram pouco educação (e daí justamente um dos motivos porque tiveram filhos mais novas). É como se vocês tivessem desistido de "empoderar" mulheres mais velhas, ou não valesse tanto esforço porque já são umas sectárias. Pois eu garanto que são essas as mulheres mais isoladas, que deixam inclusive de serem vistas como um "objeto" para se tornarem completamente invisíveis. Ninguém fala sobre a vida sexual da mulher mais velha porque nem se "pensa" nesse assunto, inclusive as próprias feministas.
E chegamos a uma maluquice tal que o desejo por ter filhos é imediatamente identificado como uma forma de colonização machista sobre meu eu. Mulheres que decidem não ter filhos não são mais evoluídas que mulheres que decidem ter filhos. Que feminismo é esse que credita todo e qualquer desejo vindo da mulher como um reflexo da sociedade misógina?
E que feminismo é esse que reduz maternidade a trabalho? A incapacidade de subjetivar essas relações que todas tivemos, afinal todo mundo foi filha de alguém, ou é mãe de alguém, é assustadora. Filho não é sinônimo de trabalho. Já ouvi calada argumentos mais variáveis para não se ter filhos: quero minha liberdade, não tenho carro, ai, que saco essa criança chorando. Beleza. E aí uma garota, dentro desse feminismo etarista e child free da rede, praticamente tem que se justificar por desejar ter filhos!
Então, mulheres grávidas, recém-paridas, mães de pequenos e grandes, se quiserem falar comigo sobre suas questões, meu inbox está aberto. Prometo ouvi-las, se isso ajudar.
O feminismo praticado no Facebook ignora mães e mulheres mais velhas. Talvez aceitem - teoricamente, não na prática - as mulheres que assumiram os filhos sozinhas. Espero que isso seja realmente uma "fase" adolescente desse feminismo. Eu nunca vi uma publicação - a não ser as minhas - que fale sobre a mulher pós-menopausa, que fale sobre a solidão da mulher mais velha. 90% do que passa no meu feed se refere a assuntos diretamente ligados às mulheres mais novas, solteiras (hetero ou lésbicas). As mulheres que mais precisam do feminismo são as mães, em especial as que tiveram filhos mais novas e que tiveram pouco educação (e daí justamente um dos motivos porque tiveram filhos mais novas). É como se vocês tivessem desistido de "empoderar" mulheres mais velhas, ou não valesse tanto esforço porque já são umas sectárias. Pois eu garanto que são essas as mulheres mais isoladas, que deixam inclusive de serem vistas como um "objeto" para se tornarem completamente invisíveis. Ninguém fala sobre a vida sexual da mulher mais velha porque nem se "pensa" nesse assunto, inclusive as próprias feministas.
E chegamos a uma maluquice tal que o desejo por ter filhos é imediatamente identificado como uma forma de colonização machista sobre meu eu. Mulheres que decidem não ter filhos não são mais evoluídas que mulheres que decidem ter filhos. Que feminismo é esse que credita todo e qualquer desejo vindo da mulher como um reflexo da sociedade misógina?
E que feminismo é esse que reduz maternidade a trabalho? A incapacidade de subjetivar essas relações que todas tivemos, afinal todo mundo foi filha de alguém, ou é mãe de alguém, é assustadora. Filho não é sinônimo de trabalho. Já ouvi calada argumentos mais variáveis para não se ter filhos: quero minha liberdade, não tenho carro, ai, que saco essa criança chorando. Beleza. E aí uma garota, dentro desse feminismo etarista e child free da rede, praticamente tem que se justificar por desejar ter filhos!
Então, mulheres grávidas, recém-paridas, mães de pequenos e grandes, se quiserem falar comigo sobre suas questões, meu inbox está aberto. Prometo ouvi-las, se isso ajudar.
Pequenos estorvos
O culto à juventude eterna parece criar um novo alvo de desprezo generalizado: as crianças. Já li reclamações quanto à presença de crianças em pistas de danças nas festas de casamento. Existem adultos em idade reprodutora que declaram seu pavor de petizes. E há quem os tenha para legar seu cuidado a babás de uniformes brancos. Parecido com os aristocratas europeus que entregavam bebês a amas de leite distantes geograficamente das cortes. As crianças só retornavam ao convívio das famílias mais crescidinhas, se sobrevivessem. A historiadora Elizabeth Badinter fala sobre o mito da maternidade apaixonada em Um amor conquistado.
O fenômeno ora observado está restrito às classes mais abastada e cultas, aparentemente. Há feministas reclamando dos olhares tortos que recebem das companheiras de militância se carregam os rebentos aonde vão. Já os mais pobres, costumam misturar filhos com avô, vizinho, irmão, diferentes famílias. E vai levando a vida com mais naturalidade. Uma ex-empregada estranhou o aniversário de um dos meus filhos que só convidava crianças. "Ih, onde eu moro vai todo mundo, até avó de menino convidado. A gente acaba conhecendo mais gente, é animado", me disse ela - e eu morri de inveja.
A rejeição à criança pode chegar a extremos, como o assassinato de uma menininha, há dias, num subúrbio carioca nesses dias. Essas histórias de horror continuam acontecendo e estarrecendo a maioria das pessoas. E não são exclusividade da pobreza - é só lembrar do infame casal Nardoni, de São Paulo. Há outras formas de crueldade perpetrada por adultos com mentes doentias. Conheci, há quase trinta anos, uma criança que era deixada, todos os fins de semana, no hotelzinho da creche. TODOS. Jamais permanecia com a mãe ou com o pai, separados.
A rejeição à criança pode chegar a extremos, como o assassinato de uma menininha, há dias, num subúrbio carioca nesses dias. Essas histórias de horror continuam acontecendo e estarrecendo a maioria das pessoas. E não são exclusividade da pobreza - é só lembrar do infame casal Nardoni, de São Paulo. Há outras formas de crueldade perpetrada por adultos com mentes doentias. Conheci, há quase trinta anos, uma criança que era deixada, todos os fins de semana, no hotelzinho da creche. TODOS. Jamais permanecia com a mãe ou com o pai, separados.
A maternidade é física e o propósito da espécie, biologicamente falando. Hoje, temos o direito de escolher se vamos ou não nos perpetuarmos. Sempre houve quem optasse por uma vida sem descendência. Interessante é estarmos sempre disputando um espaço social, como se criar gente ou recolher-se para dedicar-se a outros interesses diplomasse o empenho em se destacar dos demais mortais. Esta semana, assisti a uma cena da finada Mad Men, em que a mulher do protagonista comenta com seu psicanalista o quanto é invejada pelas divorciadas ou solteiras, que não têm famílias felizes. Um pensamento que ficou nos anos 60, talvez. Hoje, a felicidade registrada diariamente nas redes sociais exclui crianças - ou as expõem nos momentos triunfais das festas infantis e reuniões de famílias, ornamentados como os aristocratas do passado.
Já há tempos a sociedade culta e rica brasileira exclui crianças de diversos espaços e eventos, sempre discretamente. Alguns hotéis não hospedam nem pré-adolescentes. Acabo de saber que uma feira de artesanato proibia a presença de menores de doze anos. Sempre ouvi relatos escandalizados da proibição da entrada de crianças em espaços onde animais podem acomodar-se junto aos donos. Mas a verdade é que criança criança incomoda, faz barulho, chora, pergunta. Cabe aos pais ensinar-lhes o comportamento social, o que, em muitos casos, foi relegado a babás e aos colégios. O isolamento em guetos etários pode gerar cada vez mais estranhamento no convívio social.
Ah, sim, eu tive quatro filhos sem planejamento formal. Queria ter, tive. Mas defendo apaixonadamente o direito de toda e qualquer pessoa optar por uma vida sem descendentes. Só rejeito essa vontade de enquadrar cada grupo em seu cantinho, como se convivência - barulhenta, intrusiva, incômoda - não fizesse da vida uma aventura bem mais interessante.
sexta-feira, 22 de janeiro de 2016
No tranco
Faz quase vinte dias que nasceu Helena, minha neta, na Amazônia. Vamos viver distantes, uma da outra, geograficamente, ao menos. E sem Helena ao lado, ficará difícil aprender a ser uma avó do Terceiro Milênio.
Ainda é comum ser avó aos 30 anos. Deixando o asfalto e subindo o morro, há muitas mulheres jovens com netos a cuidar/criar. Talvez elas sejam mais preparadas do que as de classe média para enfrentar o amadurecimento, já que ele chega mais cedo, antes da perda do magnetismo pessoal, que, no Brasil, ocorre por volta da terceira década de vida. Ser avó não está, para essas mulheres, associada à consolidação da velhice. E envelhecer, para as brasileiras, é traumático. Persistimos acreditando em sua inexistência, Lutar contra a natureza virou uma questão de caráter: mulher que não faz ginástica ou plástica só perde socialmente para as gordas. Caso combine sobrepeso com cabelos brancos, flacidez e rugas, estará fadada à condenação até pelos círculos mais íntimos, entre parentes e amigos.
O controle social pela saúde e beleza foi consagrados nos últimos 50 anos e fortalecido, a partir dos anos 1970, pelo culto à juventude. A compensação da decadência física com sabedoria e experiência foi derrubada aos poucos, entronizando-se, definitivamente, com a ascensão da geração Internet. Enquanto Steve Jobs e Bill Gates chegavam à maturidade, surgia Mark Zuckerberg. Dizem que esses homens têm novas formas de fazer negócios - do que duvido muito. Sei que eles se vestem como se estivessem na mesa do café da manhã, mas, fora isso, percebo apenas o tino comercial apuradíssimo, exercido com a mesma avidez que os convencionalmente trajados de terno e gravatas.
E as jovens mulheres que dominariam o universo corporativo, onde estão? Continuam retratadas como pestes em livros/filmes, entre eles O Diabo veste Prada, e ainda não ocupam a maioria dos cargos de chefia. Quando chegam a presidir um país, já têm idade suficiente para serem ridicularizadas pelo desgaste da forma física e falta de sex appeal. Um comentarista de uma revista de circulação nacional sugeriu que a presidente Dilma Roussef arranjasse um companheiro para assistir às telesséries que acompanha. Homens não ouvem esse tipo de gracinha. Homens sozinhos jamais se candidatam a tais cargos.
Então, o que fazem as avós do Terceiro Milênio? Pobres, remediadas ou ricas, são poucas as que têm disposição para se dedicar aos netos. Quase todas ainda exercem atividade profissional intensa e nem podem ajudar os filhos a cuidar dos pequenos. Aprendem a ser avós no tranco, igualzinho como foi o aprendizado da maternidade.
E não é no tranco que a gente vive sempre, armando gambiarras e iluminando os dias?
Ainda é comum ser avó aos 30 anos. Deixando o asfalto e subindo o morro, há muitas mulheres jovens com netos a cuidar/criar. Talvez elas sejam mais preparadas do que as de classe média para enfrentar o amadurecimento, já que ele chega mais cedo, antes da perda do magnetismo pessoal, que, no Brasil, ocorre por volta da terceira década de vida. Ser avó não está, para essas mulheres, associada à consolidação da velhice. E envelhecer, para as brasileiras, é traumático. Persistimos acreditando em sua inexistência, Lutar contra a natureza virou uma questão de caráter: mulher que não faz ginástica ou plástica só perde socialmente para as gordas. Caso combine sobrepeso com cabelos brancos, flacidez e rugas, estará fadada à condenação até pelos círculos mais íntimos, entre parentes e amigos.
O controle social pela saúde e beleza foi consagrados nos últimos 50 anos e fortalecido, a partir dos anos 1970, pelo culto à juventude. A compensação da decadência física com sabedoria e experiência foi derrubada aos poucos, entronizando-se, definitivamente, com a ascensão da geração Internet. Enquanto Steve Jobs e Bill Gates chegavam à maturidade, surgia Mark Zuckerberg. Dizem que esses homens têm novas formas de fazer negócios - do que duvido muito. Sei que eles se vestem como se estivessem na mesa do café da manhã, mas, fora isso, percebo apenas o tino comercial apuradíssimo, exercido com a mesma avidez que os convencionalmente trajados de terno e gravatas.
E as jovens mulheres que dominariam o universo corporativo, onde estão? Continuam retratadas como pestes em livros/filmes, entre eles O Diabo veste Prada, e ainda não ocupam a maioria dos cargos de chefia. Quando chegam a presidir um país, já têm idade suficiente para serem ridicularizadas pelo desgaste da forma física e falta de sex appeal. Um comentarista de uma revista de circulação nacional sugeriu que a presidente Dilma Roussef arranjasse um companheiro para assistir às telesséries que acompanha. Homens não ouvem esse tipo de gracinha. Homens sozinhos jamais se candidatam a tais cargos.
Então, o que fazem as avós do Terceiro Milênio? Pobres, remediadas ou ricas, são poucas as que têm disposição para se dedicar aos netos. Quase todas ainda exercem atividade profissional intensa e nem podem ajudar os filhos a cuidar dos pequenos. Aprendem a ser avós no tranco, igualzinho como foi o aprendizado da maternidade.
E não é no tranco que a gente vive sempre, armando gambiarras e iluminando os dias?
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