sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Com que roupa?

Tenho a mais absoluta certeza de que existe uma conspiração misógina contra mulheres acima dos 50 quilos e dos 50 anos.  Sempre que vou comprar roupas, xingo todos os estilistas que odeiam mulheres fora dos padrões definidos como “normais”. Eu me lembro quando vi uma loja anunciando “tamanhos grandes” a partir do manequim 44. E dez anos antes, 44 estava entre os médios, junto com 42 e 40. Mais estranho ainda é descobrir que para os criadores do prêt-a-porter no Brasil existem duas faixas etárias femininas: adolescente e idosa.
Vivemos num país tropical em que o calor incentiva o uso de pouquíssima roupa. A brasileira da atualidade só não vai de short ao Palácio do Planalto, mas cria caso até no Fórum para entrar com as pernas de fora. E como o culto à juventude eterna permite que adolescentes, trintonas e quarentonas se vistam com o mesmo despudor, nossos estilistas resolveram que mulher pobre brasileira, se quiser cobrir as pernas será com uma calça “stretch”. Sobrou para as cinquentonas, que só encontram jeans “skinny”, perfeitos para uma noite em baile funk.
Além do aperto no jeans mais quente do mundo, que salienta qualquer marca de celulite e valoriza as gordurinhas, mulheres com que 60 quilos e manequim além do 44 poderão optar por padronagens que privilegiam florões,  muita renda e uns estranhos buracos nas costas e mangas. Ainda não chegou a idade de usar aqueles vestidos chemisier de fundo azul marinho ou preto, estampa abstrata ou floral, que sempre provocam confusão ótica e fazem a roupa parecer sem cor, sem corte, sem jeito.
Mulher gorda não tem o direito de usar roupa lisa, sem estampa. Nem de vestir algo discreto. Um franzidinho, um brilhinho e, ó glorioso São Francisco, uma padronagem animal – zebra, onça ou tigre, de preferência – se possível, mesclados a alguma flor... está pronta a fantasia para deixar a pobre obesa mais infeliz ainda- porque NINGUÉM fica bonito com aqueles horrores.
E ainda existem os sapatos. Ou são plataformas para show de travestis, com saltos bem altos e finos, ou sandálias rasteirinhas. Salto médio, de quatro centímetros, com um desenho bonito... esqueça. Velhas usam sandálias pavorosas, estilo Bierstock (pra lá de confortáveis) ou umas sapatilhas de cores tão encardidas quanto a dos vestidinhos estampadinhos.

Realmente, ficou constrangedor envelhecer no Brasil.

Nem La Deneuve escapa dos estranhos recortes na roupa brilhosinha - e a carteira de oncinha...

 E quando a gente fica bem mais velhinha, aí é hora de se vestir igual maluquete mesmo, porque ... quem é que pode criticar?


La Vieira, sempre uma dúvida se está vestindo a personagem ou se é de seu próprio gosto o modelito envergado...

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Inférteis ignoradas

Uma agência de publicidade ouviu duas mil brasileiras, com idades entre 18 e 45 anos, para saber como elas percebiam "a beleza". O estudo Beauty4U definiu quatro perfis de mulheres, relacionando cada um deles a um tipo de calça comprida.

Os objetivos e as esquisitices da pesquisa, entre elas o uso de expressões inglesas para seu próprio título e o dos grupos, classificando mulheres como jeans, legging, ripped (desfiadas) ou leather (couro),  são claros para quem trabalha em prol do consumo. Intrigante é que do gênero feminino foram excluídas as mulheres com mais de 45 anos - ou seja, fora da época biologicamente reprodutora.

A publicidade não quer saber de ovários ocos, mesmo em tempos de reprodução assistida. Falta a muita gente descobrir que nem sempre a vida é regida pela fertilidade.




sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Parabéns, você é invisível!

Este blog nasce da experiência própria de sentir na pele a invisibilidade.
Mulheres descobrem a invisibilidade a partir dos 35 anos ou quando se tornam
1) gordas;
2) enrugadas;
3) velhas;
4) feias;
5) estéreis;
6) e/ou todas as possibilidades acima.

Essa invisibilidade é sacramentada pelo desprezo quase absoluto da sociedade e dos meios de comunicação por mulheres que não tenham

1) de 12 a 25 anos;
2) cabelos longos e lisos;
3) entre 48 e 52 quilos;
4) carreira artística;
5) carreira para-artística (BBB, ajudante de palco, namorada de atleta/artista, atuação seminua ou totalmente nua em publicações/vídeos/televisão);
6) e/ou todas as possibilidades acima.

A imensa maioria das mulheres só terá fotos suas publicadas nas redes sociais, em poses de ostensiva felicidade, junto a amigos. As que podem ser do interesse dos meios de comunicação por sua carreira profissional, invariavelmente, enfrentarão entrevistadores que lhes perguntaram como elas conseguem tempo para manter lar/família/vida afetiva ou por que não constituíram família, nem têm vida afetiva. Se essas mulheres envelhecem no exercício profissional, invariavelmente, serão consideradas guerreiras ou mal-amadas, cuja ascensão na carreira se deu por laços consanguíneos ou amorosos com homens que as apoiaram.

A segunda década do terceiro milênio, embora não tenha reduzido o culto à juventude, apresenta uma saudável reação de jovens feministas aos abusos cometidos contra qualquer mulher - apenas por ter nascido mulher. Tem campanha contra as grosserias ditas pelos homens a quem passa na rua, esforços para coibir os assédios morais em local de trabalho e denúncias de avanços indevidos e estupros. E uma postura mais contundente em relação a todo o tipo de discriminação sofrido por mulheres.

No entanto, quem passou dos -  sejamos generosas -  43 anos, quem não pode mais se considerar "menina", essas mulheres maduras ficaram invisíveis não apenas sexualmente. Elas não são mais vistas nem procuradas para reflexões sobre a condição feminina na atualidade, via de regra. Com exceção de formadoras de opinião, artistas ou celebridades em geral, não há interesse por essa cidadã de segunda classe. Enquanto revistas clamam pelo dever de manter-se em forma sensual e fisicamente, essa mulher é esquecida no momento de definir propostas políticas. Ou ao menos, nada do que pode ser feito por ela, excetuando-se as campanhas de prevenção de câncer, merece ser noticiado.

Envelhecer é difícil. Dói, literalmente. Mas ao idoso a atenção é quase sempre acompanhada por repreensões e advertências, que se iniciam na maturidade. O cidadão, pensador, ativo politica e culturalmente cede seu lugar para um ser incapaz de expor-se ao sol em horários "adequados", alimentar-se de maneira correta, exercitar-se e, além de tudo, "curtir a vida adoidado" - desde que distante de excessos.

Sabedoria, a gente adquire. Duro é reconhecer o fim da beleza física, o comprometimento do corpo. Pior ainda é ser ignorada por quem está em volta. Deve ser pior para os homens, que não estão acostumados com o conformismo social. Coletivamente, existe como mudar isso? Há algum interesse das mulheres maduras em se juntarem, como as jovens, para se manterem protagonistas das próprias vidas, sem render-se ao desprezo social?

Enquanto penso, empurro a vida e encolho a barriga.






Ute Rathmann - Hommage à Klimt XX