segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Pequenos estorvos

O culto à juventude eterna parece criar um novo alvo de desprezo generalizado: as crianças. Já li reclamações  quanto à presença de crianças em pistas de danças nas festas de casamento. Existem adultos em idade reprodutora que declaram seu pavor de petizes. E há quem os tenha para legar seu cuidado a babás de uniformes brancos. Parecido com os aristocratas europeus que entregavam bebês a amas de leite distantes geograficamente das cortes. As crianças só retornavam ao convívio das famílias mais crescidinhas, se sobrevivessem. A historiadora Elizabeth Badinter fala sobre o mito da maternidade apaixonada em Um amor conquistado.

O fenômeno ora observado está restrito às classes mais abastada e cultas, aparentemente. Há feministas reclamando dos olhares tortos que recebem das companheiras de militância se carregam os rebentos aonde vão. Já os mais pobres, costumam misturar filhos com avô, vizinho, irmão, diferentes famílias. E vai levando a vida com mais naturalidade. Uma ex-empregada estranhou o aniversário de um dos meus filhos que só convidava crianças. "Ih, onde eu moro vai todo mundo, até avó de menino convidado. A gente acaba conhecendo mais gente, é animado", me disse ela - e eu morri de inveja.

A rejeição à criança pode chegar a extremos, como o assassinato de uma menininha, há dias, num  subúrbio carioca nesses dias.  Essas histórias de horror continuam acontecendo e estarrecendo a maioria das pessoas. E não são exclusividade da pobreza - é só lembrar do infame casal Nardoni, de São Paulo. Há outras formas de crueldade perpetrada por adultos com mentes doentias. Conheci, há quase trinta anos, uma criança que era deixada, todos os fins de semana, no hotelzinho da creche. TODOS. Jamais permanecia com a mãe ou com o pai, separados. 

A maternidade é física e o propósito da espécie, biologicamente falando. Hoje, temos o direito de escolher se vamos ou não nos perpetuarmos. Sempre houve quem optasse por uma vida sem descendência. Interessante é estarmos sempre disputando um espaço social, como se criar gente ou recolher-se para dedicar-se a outros interesses diplomasse o empenho em se destacar dos demais mortais. Esta semana, assisti a uma cena da finada Mad Men, em que a mulher do protagonista comenta com seu psicanalista o quanto é invejada pelas divorciadas ou solteiras, que não têm famílias felizes. Um pensamento que ficou nos anos 60, talvez. Hoje, a felicidade registrada diariamente nas redes sociais exclui crianças - ou as expõem nos momentos triunfais das festas infantis e reuniões de famílias, ornamentados como os aristocratas do passado. 

Já há tempos a sociedade culta e rica brasileira exclui crianças de diversos espaços e eventos, sempre discretamente. Alguns hotéis não hospedam nem pré-adolescentes. Acabo de saber que uma feira de artesanato proibia a presença de menores de doze anos. Sempre ouvi relatos escandalizados da proibição da entrada de crianças em espaços onde animais podem acomodar-se junto aos donos. Mas a verdade é que criança criança incomoda, faz barulho, chora, pergunta. Cabe aos pais ensinar-lhes o comportamento social, o que, em muitos casos, foi relegado a babás e aos colégios. O isolamento em guetos etários pode gerar cada vez mais estranhamento no convívio social. 

Ah, sim, eu tive quatro filhos sem planejamento formal. Queria ter, tive. Mas defendo apaixonadamente o direito de toda e qualquer pessoa optar por uma vida sem descendentes. Só rejeito essa vontade de enquadrar cada grupo em seu cantinho, como se convivência - barulhenta, intrusiva, incômoda - não fizesse da vida uma aventura bem mais interessante.





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