Anda difícil viver o feminismo nas arenas contemporâneas. Em épocas de
mais conformismo, as mulheres aprendiam a lidar com o desrespeito, a se calarem
quando vítimas da grosseria e dos abusos sexuais, a assumir integralmente
tarefas domésticas, educação de filhos, além de “trabalhar fora”. A nova
geração feminista toma atitudes mais agressivas do que a queima de sutiãs. Ela se
desnuda em passeata para afirmar a soberania sobre o próprio corpo, deixa pelos
crescerem livremente nas axilas, nas pernas, na virilha, rejeitando um modelo
estético ditado pelo machismo. E bota a boca no trombone contra as obscenidades
proferidas pelos homens, nas ruas, sem ver qualquer beleza em saudações que
ressaltam a forma física da mulher que passa. E a maioria ainda encara a dupla
jornada como seu dever social.
A lida feminista começou há mais
de século e alcança seus objetivos vagarosamente. A liberação de drogas hoje
proscritas deve acontecer antes da igualdade salarial entre os gêneros, pois não
trata apenas de tipificar crimes ou regulamentar situações sociais. O feminismo
mexe diretamente com a estrutura da sociedade, com os códigos montados há
milênios. Nas grandes cidades brasileiras e nas redes sociais, o ágora
contemporâneo, os grupos não divergem abertamente, mas se isolam em seus conceitos,
minando, em pequenas intervenções, as ideias dos adversários. O ímpeto
guerrilheiro das jovens feministas entusiasma as mais maduras, que engrossam as
fileiras para falar do olhar sobre o corpo. Porque é o corpo da mulher que está
sendo julgado ainda hoje.
É sobre a apropriação desse corpo
que se fala o tempo todo. Se ele terá ou não o direito a abortar, se ele deve
ser cuidado para desafiar a natureza, envelhecendo dentro da estética
socialmente aceitável, sem contrair doenças que o deformem ou o matem (como se
a última possibilidade fosse uma alternativa). E também se o corpo feminino
deve ser escondido para evitar atrair olhares dos homens que não resistirão a
violentá-lo. E aí surge um dos pontos da agenda atual: convencer as
instituições de educação básica a deixarem de lado a repressão ao vestuário “inadequado”
feminino. Porque ao restringir o uso de shorts ou roupas apertadas das jovens
alunas, desde o Jardim da Infância, sem que tal preocupação jamais se dirija
aos meninos, a escola está fortalecendo o machismo. As filhas de Eva nasceram
fora do Éden para desencaminhar os inocentes filhos de Adão de seus bons
propósitos.
Como desmantelar uma herança
cultural tão forte? No Rio de Janeiro, uma cidade onde o calor determina o
despojamento dos trajes, usar roupas exíguas virou regra. Já se foi o tempo em
que decotes e saias curtas eram malvistos. As altíssimas temperaturas
justificam a pouca roupa. Nos colégios cariocas, no entanto, o comprimento de
saias e shorts assusta os educadores. Hoje, há dois pontos interessantes na
moda colegial: o tecido em tactel e bermudas que chegam quase a cobrir os
joelhos são exclusividade dos modelos masculinos. Já as meninas vestem jeans ou malha. E o ponto de discórdia é
sintomático: garotas não usam mais bermudas, só shorts no meio das coxas,
enquanto os garotos cobrem ao máximo a mesma área.
Se essa lógica é discutida no
ambiente escolar, ela se inverte no mundo exterior. Houve uma grita das
feministas quanto aos shorts ou microssaias impostos às frentistas nos postos
de gasolina, enquanto os homens, trabalhando na mesma função, vestiam calças
compridas. Por que, então, não inverter a discussão e propor a exposição maior
das coxas dos meninos? Por que o padrão masculino é tirar a camisa, mas cobrir
as pernas? Afinal, o feminismo liberou os homens da obrigação de sustentar
mulheres e permitiu que eles se incumbissem dos cuidados dos filhos. Caiu por
terra a incapacidade masculina para tarefas cansativas. Eles demonstraram total
capacidade de ligar máquinas de lavar roupas. Da mesma maneira, também podem
entrar numa loja e comprar, sem a supervisão da mãe/namorada/irmã/filha/mulher,
meias, cuecas, roupas em geral.
Há alguns anos, ouvi uma
faxineira reclamar que, depois de um dia pesado de trabalho, chegava em casa
para limpar, arrumar, fazer jantar e deixar o almoço do dia seguinte pronto.
Era recém-casada e junto com o marido veio um enteado, adulto. Os dois
marmanjos, desempregados, passavam o dia vendo televisão, mas não “tinham jeito”
para as tarefas domésticas.
No 8 de março, a celebração do Dia da Mulher
pode ser uma reflexão sobre as atribuições e os deveres de cada um na rotina
diária. Quem vai à reunião com o professor do filho, quem decide a compra do
carro da família, e, principalmente, quem fica encarregado de passar as roupas
da casa quando a diarista falta. Está na hora do feminismo entrar em casa
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