quarta-feira, 20 de abril de 2016

Bela, recatada e do lar

A função de dona de casa é ingrata. O trabalho só aparece quando não é feito. A maioria das mulheres desempenha afazeres que incluem limpeza e arrumação de casa, lavagem de roupas, engomar, passar, cozinhar, comprar ou cultivar víveres, acompanhar o desenvolvimento de crianças nos campos educacional, esportivo, cultural, além de treinamento social, pagamentos de contas, adquirir vestimentas ou confeccioná-las, zelar pela saúde dos animais domésticos, caso tenha, fazer cumprir os compromissos da família inteira, receber visitantes, preparar recepções etc. Uma faina incessante. Em muitos casos, todas essas tarefas se somam a uma atividade profissional.
Também há as que fazem do casamento um meio de vida.
E as que pagam por esses serviços, nem sempre se preocupando com o sustento da família, dever de um provedor.
A matéria da Veja não exaltou o antifeminismo, não. O elogio à moça casada com um homem q tem idade para ser seu avô, que vive em cidade distante de onde mora o marido e cujas atividades mais relevantes são ir a salão de beleza e à esteticista não foi apenas um desserviço ao feminismo. O artigo escarnece dela, bacharel em direito, que participou de concursos de beleza e teve curta atuação como recepcionista antes de decidir partilhar a existência com um senhor 43 mais velho do que a jovem. Dizer que "ele tem sorte" é fazer da mulher apenas e somente um troféu. Uma vergonha.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Pedaladas

Março acaba com tantas manifestações contra e pró respeito à Constituição, que desembarcamos em abril ainda em batalha política, cujo desfecho está marcado para maio. Muito se fala contra Dilma Roussef - e não quero questionar a mediocridade de sua atual administração. Mas nunca houve um presidente da República de quem jornalistas e blogueiros tratassem com tanto desprezo. 

Uma mulher nada carismática, Dilma Roussef, tampouco jovem ou bela. Conquistou o poder no voto, duas vezes seguidas. Por mais que se diga que veio nas águas do Lula, alçou ao posto democraticamente. Por que, então, ela suscita tamanho ódio de alguns descerebrados, homens e mulheres que lamentam sua resistência aos maus tratos sofridos quando jovem, presa por atividades contra um governo ditatorial? 

Há quem diga que Dilma só é alvo de tanto achincalhe por ser mulher. Não tenho tanta certeza, porém, nunca antes na história deste País li os jocosos conselhos de um blogueiro a um governante, como aquele que a aconselhou a arranjar um companheiro. Alguém falou isso para Itamar Franco, que não era casado, ao assumir o governo? Se ela tivesse um ou dois namorados, seria chamada de devassa ou vagabunda. 

Essa ar superior, jocoso, masculino me afronta. E Dilma, sem um pingo de simpatia, é uma mulher de fibra porque nunca responde a tais acintes. Ela os ignora. Não chora. Segura a onda. Não fala "Sou mulher, sou avó, sou mãe". Não é doce nem meiga. 

O simples ato de andar de bicicleta pelas ruas de Brasília é apontado como peça de marketing. Li alguém condenando seus exercícios públicos, afirmando que ela deveria fazer natação na piscina do Palácio, como Fernando Henrique Cardoso. Também vejo o ciclismo de Dilma como peça de marketing. Ela alardeia - pela melhora da forma física - o quanto o exercício faz bem a uma pessoa idosa. E ainda ocupa a rua, se apossa do espaço público como qualquer cidadão, numa cidade criada para fomentar a indústria automobilística. (Nelson Mandela caminhava pelas ruas, bem cedinho, também. Acompanhado por um séquito de seguranças, igual à Dilma). 

Por que a boa forma de Dilma não é elogiada? Porque ela tem obrigação de manter uma silhueta esbelta, ora. É mulher. Sarney nunca foi uma sílfide, nem FHC, Lula muito menos. Mas estavam acima de qualquer observação no quesito beleza e elegância. Enquanto correr o processo de impeachment, muito será dito contra a falta de  charme, de habilidade no trato pessoal e da sexualidade da presidente. Contra a honestidade, no entanto, só haverá silêncio. 

terça-feira, 1 de março de 2016

Entra pra casa, feminismo!


Anda difícil viver o feminismo nas arenas contemporâneas. Em épocas de mais conformismo, as mulheres aprendiam a lidar com o desrespeito, a se calarem quando vítimas da grosseria e dos abusos sexuais, a assumir integralmente tarefas domésticas, educação de filhos, além de “trabalhar fora”. A nova geração feminista toma atitudes mais agressivas do que a queima de sutiãs. Ela se desnuda em passeata para afirmar a soberania sobre o próprio corpo, deixa pelos crescerem livremente nas axilas, nas pernas, na virilha, rejeitando um modelo estético ditado pelo machismo. E bota a boca no trombone contra as obscenidades proferidas pelos homens, nas ruas, sem ver qualquer beleza em saudações que ressaltam a forma física da mulher que passa. E a maioria ainda encara a dupla jornada como seu dever social.
A lida feminista começou há mais de século e alcança seus objetivos  vagarosamente. A liberação de drogas hoje proscritas deve acontecer antes da igualdade salarial entre os gêneros, pois não trata apenas de tipificar crimes ou regulamentar situações sociais. O feminismo mexe diretamente com a estrutura da sociedade, com os códigos montados há milênios. Nas grandes cidades brasileiras e nas redes sociais, o ágora contemporâneo, os grupos não divergem abertamente, mas se isolam em seus conceitos, minando, em pequenas intervenções, as ideias dos adversários. O ímpeto guerrilheiro das jovens feministas entusiasma as mais maduras, que engrossam as fileiras para falar do olhar sobre o corpo. Porque é o corpo da mulher que está sendo julgado ainda hoje.
É sobre a apropriação desse corpo que se fala o tempo todo. Se ele terá ou não o direito a abortar, se ele deve ser cuidado para desafiar a natureza, envelhecendo dentro da estética socialmente aceitável, sem contrair doenças que o deformem ou o matem (como se a última possibilidade fosse uma alternativa). E também se o corpo feminino deve ser escondido para evitar atrair olhares dos homens que não resistirão a violentá-lo. E aí surge um dos pontos da agenda atual: convencer as instituições de educação básica a deixarem de lado a repressão ao vestuário “inadequado” feminino. Porque ao restringir o uso de shorts ou roupas apertadas das jovens alunas, desde o Jardim da Infância, sem que tal preocupação jamais se dirija aos meninos, a escola está fortalecendo o machismo. As filhas de Eva nasceram fora do Éden para desencaminhar os inocentes filhos de Adão de seus bons propósitos.
Como desmantelar uma herança cultural tão forte? No Rio de Janeiro, uma cidade onde o calor determina o despojamento dos trajes, usar roupas exíguas virou regra. Já se foi o tempo em que decotes e saias curtas eram malvistos. As altíssimas temperaturas justificam a pouca roupa. Nos colégios cariocas, no entanto, o comprimento de saias e shorts assusta os educadores. Hoje, há dois pontos interessantes na moda colegial: o tecido em tactel e bermudas que chegam quase a cobrir os joelhos são exclusividade dos modelos masculinos. Já as meninas vestem  jeans ou malha. E o ponto de discórdia é sintomático: garotas não usam mais bermudas, só shorts no meio das coxas, enquanto os garotos cobrem ao máximo a mesma área.
Se essa lógica é discutida no ambiente escolar, ela se inverte no mundo exterior. Houve uma grita das feministas quanto aos shorts ou microssaias impostos às frentistas nos postos de gasolina, enquanto os homens, trabalhando na mesma função, vestiam calças compridas. Por que, então, não inverter a discussão e propor a exposição maior das coxas dos meninos? Por que o padrão masculino é tirar a camisa, mas cobrir as pernas? Afinal, o feminismo liberou os homens da obrigação de sustentar mulheres e permitiu que eles se incumbissem dos cuidados dos filhos. Caiu por terra a incapacidade masculina para tarefas cansativas. Eles demonstraram total capacidade de ligar máquinas de lavar roupas. Da mesma maneira, também podem entrar numa loja e comprar, sem a supervisão da mãe/namorada/irmã/filha/mulher, meias, cuecas, roupas em geral.
Há alguns anos, ouvi uma faxineira reclamar que, depois de um dia pesado de trabalho, chegava em casa para limpar, arrumar, fazer jantar e deixar o almoço do dia seguinte pronto. Era recém-casada e junto com o marido veio um enteado, adulto. Os dois marmanjos, desempregados, passavam o dia vendo televisão, mas não “tinham jeito” para as tarefas domésticas.

 No 8 de março, a celebração do Dia da Mulher pode ser uma reflexão sobre as atribuições e os deveres de cada um na rotina diária. Quem vai à reunião com o professor do filho, quem decide a compra do carro da família, e, principalmente, quem fica encarregado de passar as roupas da casa quando a diarista falta. Está na hora do feminismo entrar em casa
.

sábado, 20 de fevereiro de 2016

A arte de amadurecer

Como ser solteira é o primeiro romance da roteirista norte-americana Liz Tucillo. Nele, ela junta a pesquisa jornalística - pra lá de falha - sobre a solteirice feminina mundo afora e cria um relato ficcional sobre mulheres de 38 anos sem um companheiro. Claro que todas são sofisticadas, bem-sucedidas profissionalmente e vivem confortavelmente em Nova York, uma cidade, onde, aparentemente, sobram aventuras amorosas para quem estiver na faixa dos ... 38 anos. Mas elas sabem que envelhecerão e imaginam se devem seguir os relógios biológicos e engravidar aos 43 minutos do segundo tempo. Logo, uma das sábias argumenta: 

"Imagine passar pela menopausa vendo sua filha desabrochando e se tornando sexualmente desejável justo quando você está enrugando e secando e se tornando sexualmente inútil"

O romance é fraco, embora a narrativa demonstre que Liz Tucillo aprendeu todas as técnicas de composição de folhetim, prendendo o leitor pela curiosidade em relação às encalhadas contemporâneas. O que Ms Tucillo talvez não saiba é que mulheres sexualmente bem resolvidas não invejam a maturidade sexual de ninguém, ao contrário. Sentem-se felizes ao perceber que a filha esta pronta para desbravar o mundo. 

Minha resenha sobre o livro saiu hoje na coluna Para Ler na Rede. Vale pensar sobre esta leitura. 




terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Sem perder a ternura jamais.

Eric Hobsbawn falava que a grande revolução do século XX foi a protagonizada pelas mulheres. Em boa parte do Ocidente, claro. Há países onde persistem tradições que relegam as mulheres ao papel de cidadãs de segunda classe.  Em outros, como no nosso, existe uma clara divisão das mulheres entre jovens e maduras. As primeiras são visíveis e audíveis. As segundas, desprezíveis.
Talvez o Terceiro Milênio seja a época de redefinir as limitações impostas às mulheres pelas próprias mulheres. O renascimento da luta feminista ocidental, agora com discussões sobre o abuso masculino – e não propriamente a dominação – trouxe um aspecto aguerrido ao feminismo, tão ou mais agressivo do que o das sufragettes pioneiras ou o do Women’s Lib. E bem mais assertivo do que o alinhavado por Simone de Beauvoir.
Um artigo interessante publicado no site A casa da mãe Joanna fala sobre a rejeição de algumas feministas a depilação e vaidade – e que isso não tem absolutamente nada a ver com a luta por respeito e dignidade. A discussão atual é excludente e restrita a algumas faixas etárias – da adolescência aos 42 anos, talvez. Não se veem feministas de meia-idade se manifestando mais. Lutas antigas, como a amamentação, são deixadas de lado – exceto quando alguma mãe é repreendida por amamentar em público -, até porque a maternidade hoje é tardia. O feminismo guerreiro de hoje excluiu as velhas.
Velhas formas de controle social nem sempre se extinguem. Uma “pesquisa” entre foliões indicou que homens consideram “vadias” a maioria das mulheres que pulam carnaval em blocos cariocas.  Absurdos como esses se fortalecem sempre que delimitamos às mulheres jovens a participação em movimentos ou na diversão coletiva. O papel da mulher madura é apenas o de observação, exceto quando ela vai para a política, concorrendo a cargos eletivos? Eu me recordo das alegres passeatas do Dia da Mulher, com distribuição de flores, crianças no colo das mães ou das avós, celebrações que ficaram distantes nesses tempos severos, sombrios. Nessa vida tão solene, de dentes cerrados e nervos crispados, sobrou pouco espaço para festejar, brincar, comemorar o fato de estarmos de passagem neste planeta. Sem perder a ternura jamais.


segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Mais do que um documentário sobre velhinhas maluquetes, Advanced Style fala sobre mulheres que decidiram chegar à velhice sem se render à moda convencional. Extravagantes e glamourosas, elas já estavam na Web no blog de Ari Seth Cohen, que reúne fotos, filmes e entrevistas com essas senhoras de cabelos coloridos, que parecem mais roqueiras do que respeitáveis avós. 
O blog também mostra homens chiquérrimos, mas, convenhamos que para eles é bem mais fácil vestir-se sem transgredir as tradições. Valem algumas olhadas.





 

Sobre maternidade, maturidade e feminismo na rede

Giovanna Dealtry falou no Facebook sobre a maturidade feminina, maternidade e feminismo  nas redes sociais. Com licença dela, segue aqui a pensata.


O feminismo praticado no Facebook ignora mães e mulheres mais velhas. Talvez aceitem - teoricamente, não na prática - as mulheres que assumiram os filhos sozinhas. Espero que isso seja realmente uma "fase" adolescente desse feminismo. Eu nunca vi uma publicação - a não ser as minhas - que fale sobre a mulher pós-menopausa, que fale sobre a solidão da mulher mais velha. 90% do que passa no meu feed se refere a assuntos diretamente ligados às mulheres mais novas, solteiras (hetero ou lésbicas). As mulheres que mais precisam do feminismo são as mães, em especial as que tiveram filhos mais novas e que tiveram pouco educação (e daí justamente um dos motivos porque tiveram filhos mais novas). É como se vocês tivessem desistido de "empoderar" mulheres mais velhas, ou não valesse tanto esforço porque já são umas sectárias. Pois eu garanto que são essas as mulheres mais isoladas, que deixam inclusive de serem vistas como um "objeto" para se tornarem completamente invisíveis. Ninguém fala sobre a vida sexual da mulher mais velha porque nem se "pensa" nesse assunto, inclusive as próprias feministas.
E chegamos a uma maluquice tal que o desejo por ter filhos é imediatamente identificado como uma forma de colonização machista sobre meu eu. Mulheres que decidem não ter filhos não são mais evoluídas que mulheres que decidem ter filhos. Que feminismo é esse que credita todo e qualquer desejo vindo da mulher como um reflexo da sociedade misógina?
E que feminismo é esse que reduz maternidade a trabalho? A incapacidade de subjetivar essas relações que todas tivemos, afinal todo mundo foi filha de alguém, ou é mãe de alguém, é assustadora. Filho não é sinônimo de trabalho. Já ouvi calada argumentos mais variáveis para não se ter filhos: quero minha liberdade, não tenho carro, ai, que saco essa criança chorando. Beleza. E aí uma garota, dentro desse feminismo etarista e child free da rede, praticamente tem que se justificar por desejar ter filhos!
Então, mulheres grávidas, recém-paridas, mães de pequenos e grandes, se quiserem falar comigo sobre suas questões, meu inbox está aberto. Prometo ouvi-las, se isso ajudar.