terça-feira, 1 de março de 2016

Entra pra casa, feminismo!


Anda difícil viver o feminismo nas arenas contemporâneas. Em épocas de mais conformismo, as mulheres aprendiam a lidar com o desrespeito, a se calarem quando vítimas da grosseria e dos abusos sexuais, a assumir integralmente tarefas domésticas, educação de filhos, além de “trabalhar fora”. A nova geração feminista toma atitudes mais agressivas do que a queima de sutiãs. Ela se desnuda em passeata para afirmar a soberania sobre o próprio corpo, deixa pelos crescerem livremente nas axilas, nas pernas, na virilha, rejeitando um modelo estético ditado pelo machismo. E bota a boca no trombone contra as obscenidades proferidas pelos homens, nas ruas, sem ver qualquer beleza em saudações que ressaltam a forma física da mulher que passa. E a maioria ainda encara a dupla jornada como seu dever social.
A lida feminista começou há mais de século e alcança seus objetivos  vagarosamente. A liberação de drogas hoje proscritas deve acontecer antes da igualdade salarial entre os gêneros, pois não trata apenas de tipificar crimes ou regulamentar situações sociais. O feminismo mexe diretamente com a estrutura da sociedade, com os códigos montados há milênios. Nas grandes cidades brasileiras e nas redes sociais, o ágora contemporâneo, os grupos não divergem abertamente, mas se isolam em seus conceitos, minando, em pequenas intervenções, as ideias dos adversários. O ímpeto guerrilheiro das jovens feministas entusiasma as mais maduras, que engrossam as fileiras para falar do olhar sobre o corpo. Porque é o corpo da mulher que está sendo julgado ainda hoje.
É sobre a apropriação desse corpo que se fala o tempo todo. Se ele terá ou não o direito a abortar, se ele deve ser cuidado para desafiar a natureza, envelhecendo dentro da estética socialmente aceitável, sem contrair doenças que o deformem ou o matem (como se a última possibilidade fosse uma alternativa). E também se o corpo feminino deve ser escondido para evitar atrair olhares dos homens que não resistirão a violentá-lo. E aí surge um dos pontos da agenda atual: convencer as instituições de educação básica a deixarem de lado a repressão ao vestuário “inadequado” feminino. Porque ao restringir o uso de shorts ou roupas apertadas das jovens alunas, desde o Jardim da Infância, sem que tal preocupação jamais se dirija aos meninos, a escola está fortalecendo o machismo. As filhas de Eva nasceram fora do Éden para desencaminhar os inocentes filhos de Adão de seus bons propósitos.
Como desmantelar uma herança cultural tão forte? No Rio de Janeiro, uma cidade onde o calor determina o despojamento dos trajes, usar roupas exíguas virou regra. Já se foi o tempo em que decotes e saias curtas eram malvistos. As altíssimas temperaturas justificam a pouca roupa. Nos colégios cariocas, no entanto, o comprimento de saias e shorts assusta os educadores. Hoje, há dois pontos interessantes na moda colegial: o tecido em tactel e bermudas que chegam quase a cobrir os joelhos são exclusividade dos modelos masculinos. Já as meninas vestem  jeans ou malha. E o ponto de discórdia é sintomático: garotas não usam mais bermudas, só shorts no meio das coxas, enquanto os garotos cobrem ao máximo a mesma área.
Se essa lógica é discutida no ambiente escolar, ela se inverte no mundo exterior. Houve uma grita das feministas quanto aos shorts ou microssaias impostos às frentistas nos postos de gasolina, enquanto os homens, trabalhando na mesma função, vestiam calças compridas. Por que, então, não inverter a discussão e propor a exposição maior das coxas dos meninos? Por que o padrão masculino é tirar a camisa, mas cobrir as pernas? Afinal, o feminismo liberou os homens da obrigação de sustentar mulheres e permitiu que eles se incumbissem dos cuidados dos filhos. Caiu por terra a incapacidade masculina para tarefas cansativas. Eles demonstraram total capacidade de ligar máquinas de lavar roupas. Da mesma maneira, também podem entrar numa loja e comprar, sem a supervisão da mãe/namorada/irmã/filha/mulher, meias, cuecas, roupas em geral.
Há alguns anos, ouvi uma faxineira reclamar que, depois de um dia pesado de trabalho, chegava em casa para limpar, arrumar, fazer jantar e deixar o almoço do dia seguinte pronto. Era recém-casada e junto com o marido veio um enteado, adulto. Os dois marmanjos, desempregados, passavam o dia vendo televisão, mas não “tinham jeito” para as tarefas domésticas.

 No 8 de março, a celebração do Dia da Mulher pode ser uma reflexão sobre as atribuições e os deveres de cada um na rotina diária. Quem vai à reunião com o professor do filho, quem decide a compra do carro da família, e, principalmente, quem fica encarregado de passar as roupas da casa quando a diarista falta. Está na hora do feminismo entrar em casa
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